A existência de cláusula
de impenhorabilidade ou de incomunicabilidade em doação de imóvel não implica
automaticamente que o bem não possa ser alienado. Baseada nessa tese, a 4ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a melhor interpretação a ser
dada ao caput do artigo 1.911 do Código Civil de 2002 é a de que é possível a
imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade, a critério do doador.
O recurso foi interposto
contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que negou pedido de
beneficiária de doação de imóvel interessada em registrar sua transferência a
terceiro.
Após a morte da doadora
do imóvel, a beneficiária vendeu o bem, mas não conseguiu registrar a
transferência no cartório, o qual exigiu a baixa dos gravames de
impenhorabilidade e incomunicabilidade que constavam da doação. Considerando
que essas cláusulas só poderiam ser canceladas por ordem judicial, em razão da
morte da doadora, a beneficiária pediu a baixa dos gravames, alegando a
inexistência de cláusula de inalienabilidade.
O TJ-MG afirmou que,
segundo as regras instituídas originalmente pelo artigo 1.676 do CC/1916, e
mantidas em sua essência no novo Código Civil (artigo 1.911), as cláusulas
restritivas de propriedade não se extinguem com a morte do doador, com exceção
do usufruto vitalício, cuja vigência está adstrita ao período de vida do
beneficiário doador.
Ao apresentar recurso ao
STJ, a recorrente alegou que o imóvel doado somente foi gravado com a
impenhorabilidade e a incomunicabilidade, de modo que não haveria óbice legal
para sua alienação a terceiros.
CLÁUSULAS
AUTÔNOMAS
O relator, ministro Marco
Buzzi, explicou que a interpretação do caput do artigo 1.911 do Código Civil
leva à conclusão de que é possível a imposição autônoma das cláusulas de
inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador
ou instituidor do bem.
Segundo Buzzi, diante do
gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, automaticamente, a impenhorabilidade
e a incomunicabilidade. Porém, de acordo com o ministro, a inserção exclusiva
da proibição de penhorar ou comunicar não gera a presunção do ônus da
inalienabilidade.
"Partindo-se da simples
leitura do artigo de lei já acima mencionado, depreende-se que o legislador
estabeleceu apenas um comando, isto é, que a imposição da inalienabilidade
presume a impenhorabilidade e incomunicabilidade. Em outras palavras, a lei
civil não estabeleceu, prima facie, que a impenhorabilidade ou a
incomunicabilidade, gravadas de forma autônoma, importaria na
inalienabilidade", disse ele.
De acordo com o relator, "sendo a inalienabilidade de maior amplitude, é decorrência natural que
implique a proibição de penhorar e comunicar, tudo isso seguindo a lógica da
antiga máxima de que in eo quod plus est semper inest et minus (quem pode o
mais, pode o menos). Porém, o contrário não se verifica. A impenhorabilidade e
a incomunicabilidade possuem objetos mais limitados, específicos. A primeira se
volta tão somente para os credores e a segunda impõe-se ao cônjuge do
beneficiário (donatário ou herdeiro)".
O ministro analisou o
caso a partir de lições doutrinárias e afirmou ser possível "concluir pela
possibilidade de alienação do bem gravado somente com as cláusulas de
impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade sem necessidade de sub-rogação do
produto da venda".
CASO
CONCRETO
Ao dar provimento ao
recurso, Marco Buzzi considerou não ser possível falar em inalienabilidade do
imóvel gravado exclusivamente com as cláusulas de impenhorabilidade e
incomunicabilidade.
Assim, o relator acolheu
o pedido da recorrente e declarou que a aposição somente das cláusulas de
incomunicabilidade e impenhorabilidade sobre o imóvel não impede a sua
alienação.
"Segundo a direção
traçada pelas técnicas de hermenêutica jurídica aplicadas à interpretação do
artigo 1.911 do Código Civil de 2002, reconhece-se perfeitamente possível a
alienação do imóvel objeto do presente debate, porquanto somente onerado com a
proibição de penhorar e comunicar", afirmou. Com informações da Assessoria de
Imprensa do STJ.
REsp 1.155.547